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Alberto da Costa e Silva e o vício pela cultura africana

Alberto da Costa e Silva e o vício pela cultura africana

Comunicação - PRCEU - 08/09/2016

“É preciso entender os africanos para melhor entender o Brasil”. É com essa frase de Alberto da Costa e Silva, maior africanista brasileiro vivo, que extraímos um pouco de sua paixão pela cultura e pelo continente africano, especialmente pela África negra subsaariana.

Por Elcio Silva
08/09/2016 17h

No último dia 30 de agosto, às 14h30, a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin – BBM sediou o XVII Colóquio Mindlin com o tema O africanista Alberto da Costa e Silva e os benefícios de um vício, ministrado pela professora e historiadora Marina de Mello e Souza, do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciência Humanas da USP.

Para falar de Alberto da Costa e Silva é importante destacar que o poeta, historiador e embaixador brasileiro, autor de importantes obras sobre o continente africano, nasceu em 1931, e que no contexto da época, ele, um homem branco, era uma exceção ao se interessar por assuntos culturais e históricos do continente africano.

Professora Marina de Mello e Souza fala sobre a produção africanista de Alberto da Costa e Silva. Foto: Elcio Silva.

Professora Marina de Mello e Souza fala sobre a produção africanista de Alberto da Costa e Silva. Foto: Elcio Silva.

Contexto histórico

Nascido em uma família de poetas – seu pai e seu tio eram poetas – foi muito incentivado no ambiente familiar e, desde criança, se destacava pela excelente oratória e por ser um leitor voraz.

Segundo a historiadora Marina, o contexto social da época disseminou um afastamento cultural com o continente africano devido à ideologia do branqueamento que havia se tornado política de estado.

“A ideologia do branqueamento que se tornou política de estado estimulou a imigração europeia de forma coerente com uma percepção evolucionista da história conforme a qual os povos e as sociedades africanas estariam em um estágio menos desenvolvido da humanidade, do qual a jovem nação brasileira deveria se afastar”, relata.

Para justificar essa teoria pregavam a ideia de uma mestiçagem que seria benéfica para o país.

“Diante da impossibilidade da jovem nação brasileira de negar a presença negra no Brasil, dissemina-se a ideia de uma mestiçagem que seria benéfica, que levaria o negro ao patamar do branco e ao longo do tempo eliminaria o nosso biótipo primeiro. Então foi um afastamento cultural dado por essa ideologia predominante”, completa.

Em decorrência do afastamento cultural houve um afastamento simbólico e  tudo de matriz africana era visto como um sinal de atraso e deveria ser substituído pelos valores das sociedades europeias ocidentais.

Alberto da Costa e Silva recebeu o prêmio Camões em 2014.

Alberto da Costa e Silva recebeu o prêmio Camões em 2014.

É nesse contexto desfavorável da primeira metade do século XX que Alberto da Costa Silva, vivendo no Brasil que não admitia que estivesse mergulhado no racismo, se interessa pelos assuntos africanos, mesmo após a afirmação de que vivíamos em uma democracia racial na qual não fazia sentido evocar traços africanos. Essa textura foi endossada pelo contexto africano, da época, um continente sufocado pela dominação colonial europeia, pelo imperialismo europeu.

Esse quadro de afastamento mudou com a influência do movimento que ficou conhecido como “Negritude” que nasceu na diáspora, no Caribe, e ocupou os países colonizadores como França e Inglaterra. O movimento olhava principalmente para as artes, para o resgate das matrizes e dos valores positivos das culturas africanas na produção cultural. As independências dos países africanos no início dos anos 60 também foi fator determinante.

Nesta ocasião Alberto da Costa e Silva já fazia parte do corpo diplomático do Brasil.

Conciliação da diplomacia com o vício

Seu primeiro posto no Itamaraty foi como secretário em Lisboa, mas como seu interesse pela África era de conhecimento das pessoas com quem ele convivia, ele foi designado inúmeras vezes para missões no continente africano, além de ter sido embaixador no Benin e na Nigéria, país que ele descreve com maestria de detalhes a riqueza cultural de seu povo:

“Em 1º de outubro de 1960, a Nigéria tornou-se um país independente. Eu me encontrava lá, acompanhando o embaixador Negrão de Lima, representante do Brasil nas cerimônias. E estava fascinado com o que via, a confirmar ou desmentir o que recebera dos livros. Desde o momento em que desci do avião, fui tomado pela sensação de que havia entrado naquele desfile dos Reis Magos que Benozzo Gozzoli pintou na capela dos Medicis, em Florença. Com suas vestes amplas e esvoaçantes, de leses, sedas, veludos e damascos, e seus gorros e turbantes bordados, a comissão de boas-vindas humilhava nossos ternos cinzentos, que nos pareceram feiíssimos, e não só quando contrastados com essas roupas de gala, mas também com as de estampado de algodão das pessoas que enchiam as ruas, e falavam em voz alta, e trocavam abraços, em meio a estrondosas risadas”.[1]

Mulheres em Benin Festival - Créditos - eafrique.tv

Mulheres no Benin Festival – Créditos – eafrique.tv

Em Lisboa, escreveu, em 1989, o ensaio O vício da África e outros vícios, texto em que, segundo o autor, quanto mais se toma contato com a África, mais ela se torna um vício. Foi o que aconteceu com ele, determinado em aprofundar seu conhecimento sobre o complexo continente africano, especialmente pela África negra, subsaariana.

Seu interesse surgiu da percepção de que há a necessidade de entender os africanos para melhor entender o Brasil, hoje um conceito abertamente aceito, mas quando ele se debruçou sobre ele, não era, principalmente no campo da história, que como citado anteriormente havia a ideologia do branqueamento utilizada como política de estado.

Entendendo os africanos para melhor entender o Brasil

Em 1992 Alberto da Costa e Silva publicou o primeiro volume de sua trilogia sobre a história da África, intitulado A Enxada e a Lança – a África antes dos portugueses. No prefácio ele destaca seu objetivo com o livro. “Entregar ao leitor o manual, simples, claro, direto, embora emotivamente interessado que lhe servisse como introdução ao conhecimento da África”.

O autor esclarece que o livro contém poucas ideias suas, pois ele conta o que aprendeu com os outros. Para a professora Marina ele presta um serviço inestimável ao país.

“Com aquele volume ele deu inicio a obra que presta um serviço inestimável ao estudo de história da África no Brasil, pois quase nada tínhamos em língua portuguesa sobre o tema e certamente nada equivalente ao que ele fez existe até agora” destaca.

Em 2002 foi publicado o segundo volume intitulado A Manilha e o Libambo; a África e a escravidão de 1500 a 1700, Essa obra ganhou o Jabuti e o prêmio Sérgio Buarque de Holanda, da Academia Brasileira de Letras.

Atualmente ele está produzindo o terceiro volume da trilogia que versa sobre o colonialismo e especialmente sobre as sociedades africanas que resistiram ao colonialismo.

Além da trilogia e do ensaio destacamos outras obras africanistas publicadas pelo historiador: As relações entre o Brasil e a África Negra, de 1822 a 1° Guerra Mundial; Um Rio Chamado Atlântico; Francisco Félix de Souza, mercador de escravos; e os livros infanto-juvenis Um passeio pela África e A África explicada aos meus filhos.

Em sua trajetória pelo conhecimento africano Costa e Silva verificou a importância de contribuições que a academia não estava atenta, como exemplo as do fotógrafo e etnólogo Pierre Verger, que dedicou parte de sua vida ao estudo da diáspora africana e documentou em fotos e publicações as culturas africanas em suas inúmeras viagens e principalmente nas conexões Salvador – Benin.

Como bibliófilo africanista ele leu e catalogou em sua biblioteca particular as mais importantes referências mundiais sobre cultura africana. De acordo com a historiadora Marina de Mello e Souza desde os vinte e poucos anos de idade ele comprava todos os livros que podia.

“Ele comprava todos os livros que podia, assinava as revistas especializadas, verificava quando eram lançadas e pedia para os colegas, que estavam em outros países – Inglaterra, França, EUA –, comprarem para ele. Com isso ele construiu uma biblioteca, que deve ser a mais importante da América Latina no que diz respeito à história da África”, relata.

Dois primeiros livros da trilogia de Alberto da Costa e Silva sobre África

Dois primeiros livros da trilogia de Alberto da Costa e Silva sobre África.

Marina destaca que as publicações de Costa e Silva são um resultado das leituras feitas e de suas opções de abordagem, mas que as ideias do autor não eram sua principal motivação.

“Claro que em todos os livros há ideias suas, mas a defesa delas não é a sua principal motivação e sim partilhar com o leitor o conhecimento registrado nas preciosas notas nas quais cada fonte é indicada, cada frase que ele puxa uma nota. Para nós pesquisadores é uma ajuda enorme e você pode se aprofundar no tema que você elege. A partir das notas que ele lhe dá o caminho das pedras, ele dá o caminho da mina para quem está lendo. E com isso revela, além da face de mestre, a enorme generosidade e amor ao conhecimento”.

A reconstrução ou desconstrução do que conhecemos de África

Lair Junior, estudante de história na USP, diz que em seu curso muitos autores são lidos e muitos acabam passando despercebidos, mas outros ficam para sempre, como é o caso de Alberto da Costa e Silva.

“A contribuição que ele trouxe para minha vida é enorme. A gente é educado para olhar o negro como um ser oprimido e ele faz o contrário”.

Questionada por esta reportagem sobre os motivos da falta de interpretes negros na pesquisa e disseminação do conhecimento de África, a historiadora Marina de Mello e Souza explica:

“Você toca num ponto que é o centro nevrálgico dessa história. A gente não vê tantos homens negros fazendo isso porque os homens negros não tiveram as condições de se formar e preparar para fazer isso, os homens brancos é que tiveram. Justamente o que estamos buscando ultrapassar é que essas oportunidades sejam iguais para todo mundo e que não sejam os homens brancos que façam não só história da África como ocupam todos os cargos”, relata.

Marina discorda, porém, de que na contemporaneidade faltem interpretes no estudo e pesquisa de África.

“Hoje em dia nós fazemos história da África de alta qualidade. O que impressiona no mundo acadêmico universitário brasileiro é a rapidez e a qualidade nos estudos sobre África. Especificamente na área de história, porque na literatura, há mais tempo nós temos estudos sobre África. Na antropologia menos, ela trabalha muito com o afro-brasil, religiosidade, cultura popular e na história não se trabalhava. Nos últimos quinze anos os africanólogos estrangeiros ficaram impressionados com a qualidade dos trabalhos que a pós-graduação brasileira está fazendo e isso demonstra uma demanda reprimida”.

A historiadora destaca que o ambiente familiar em que ele vivia era muito democrático e o interesse dele no estudo de África é porque seus familiares sempre demonstraram a ele a sensibilidade para perceber o preconceito racial.

“A maneira como o Alberto da Costa e Silva fala do africano contribui de uma forma muito importante para mudar a questão da imagem construída por 400 anos. Ele fala que o branco é estranho, o branco é piolhento, o branco não sabe se comportar na sociedade do outro, o branco está infringindo as regras”, explica.

De acordo com ela seu texto é resultado não só de sua enorme erudição e domínio sobre a bibliografia da história da África subsaariana, tanto a clássica como as pesquisas mais recentes, mas a imersão de sua sensibilidade das culturas do continente que se tornou seu vício, para nosso benefício.

Aqui destacamos duas falas de Alberto da Costa e Silva que exemplificam seu vício pelos estudos africanistas:

“Para o poeta o homem é o centro dos interesses, para o historiador esse homem é o africano, tão pouco conhecido entre nós, e não o europeu sobre o qual todas as luzes se lançam. Transportando o leitor para a cena descrita, para mim alcança momentos especiais quando isso é feito da perspectiva do africano, mesmo ficando claro que se trata é um exercício de lógica imaginativa, pois o recurso da imaginação mesmo que ocultado fontes é indispensável para quem estuda as sociedades africanas, não letradas, que poucos registros deixaram de si próprias, estando estes concentrados nos resquícios materiais e nas narrativas orais.

Durante a permanência na Nigéria, de que guardo gratidão enternecida, pude confrontar, sem pressa ou afoiteza, a palavra escrita com o dia vivido. Cresceu em mim o entendimento do que lera e mudou-se a inteligência do que ainda ia ler. Tornaram-se menos imprecisos os significados de certas palavras, de certos gestos, de certos jogos, de certas festas, de certos costumes e de determinadas instituições, e mais perceptíveis os seus ecos no Brasil e o ir e vir das ressonâncias por sobre as águas do Atlântico”.

Em 2014, Alberto da Costa e Silva recebeu o Prêmio Camões pelo conjunto de sua obra. A premiação é considerada a mais importante da literatura e é concedida no Brasil e em Portugal para autores de língua portuguesa.

Serviço

Os Colóquios Mindlin acontecem normalmente no período da manhã ou a tarde, devido ao horário de funcionamento da BBM, que é das 8h às 17h. A programação é definida de acordo com o comitê acadêmico da biblioteca. A entrada é gratuita.
Mais informações e sugestões pelo e-mail: bbm@usp.br

Segue abaixo a programação dos próximos colóquios:

Setembro – Sérgio Milliet – por Francisco Cabral Alambert Jr. – Data a definir.

A data anteriormente prevista foi alterada. Em breve atualizaremos com a nova data no mês de setembro.

O colóquio versa sobre a vida e obra do escritor, pintor, poeta, ensaísta, crítico de arte e de literatura, sociólogo e tradutor brasileiro Sérgio Milliet da Costa e Silva. Em 1943, Milliet assume a direção da Biblioteca Municipal de São Paulo, e permanece no cargo até 1959. Durante sua gestão Milliet firma acordos de cooperação com a Biblioteca Nacional de Paris e cria a Seção de Artes. Sérgio Milliet empenhou-se em elevar a Biblioteca Municipal a padrões internacionais. A partir de 1960 a biblioteca altera seu nome para Biblioteca Pública Municipal Mário de Andrade.

26/10 – Oliveira Lima – por João Paulo Garrido Pimenta, às 17h30.

O objetivo desta palestra é discutir aspectos essenciais da obra e do pensamento do escritor, crítico, embaixador brasileiro Manuel de Oliveira Lima (1867-1928), em especial suas concepções acerca de História, e sua interpretação da formação do Brasil.

22/11 – Relações de Von Martius com imagens naturalísticas e artísticas do século – por Heitor de Assis Júnior, às 15h.

Este é um estudo iconográfico do primeiro volume da obra Flora Brasiliensis, do médico, botânico e antropólogo alemão, Carl Friedrich Philipp Von Martius, onde constam descrições e imagens das Tabulae Phisiognomicae Brasiliae. São pranchas litografadas que retratam paisagens de diferentes ecossistemas brasileiros.

Em destaque, a origem das diferentes ilustrações a partir de obras artistas como Thomas Ender, Benjamin Mary e Johan Jacob Steinmann e do fotógrafo Leuzinger.


[1] Trecho retirado da matéria Historiador Alberto da Costa e Silva escreve sobre os laços culturais entre Nigéria e Brasil publicada em  http://oglobo.globo.com/cultura/livros/historiador-alberto-da-costa-silva-escreve-sobre-os-lacos-culturais-entre-nigeria-brasil-15202314#ixzz4JOYyFwCw
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