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Marca da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária Marca da Universidade de São Paulo
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Jorge Luiz Stark Filho


No dia 17 de março morria o primeiro brasileiro vitimado pelo coronavírus. Dias depois, quando o isolamento social começou meio no susto, troquei a rotina do escritório pelo trabalho remoto. As caminhadas na hora do almoço acabaram. A barafunda de telefones, impressoras e reuniões deram espaço às conexões virtuais por zaps, zooms e teams – confesso que preferia o antigo pluct-plact-zum do Raul Seixas. As jornadas fotográficas dos finais de semana em recantos brasilienses como a Ermida Dom Bosco, Jardim Botânico e Parque da Cidade foram proibidas. O espaço do apartamento de dois quartos passou a ser o universo possível e dele eu registrei a primeira foto da mostra: um lacônico quebra-cabeças de janelas fechadas e seus reflexos – era agosto e cem mil brasileiros haviam morrido na pandemia. Aos poucos, ampliamos o horizonte para passeios pelas quadras residenciais, mascarados e a distância segura de outros viventes. Numa dessas saídas, a 650 metros de casa, eu fotografava beija-flores quando percebi um cãozinho shitzu numa janela, tão prisioneiro quanto eu: a segunda foto desta mostra. Veio a primavera. No dia 24 de setembro, mais 1,7 mil brasileiros morriam de Covid-19 e três dias depois os ipês brancos começaram a florir. As flores não vivem mais que quatro ou cinco dias – e foi nesse intervalo que baixei a máscara, virei a câmera para mim e fiz minha selfie com a esperança de que na primavera de 2021 eu possa novamente registrar os ipês brancos, sem máscara nem medo. Mas não sem tristeza. Às famílias dos 200 mil mortos deste janeiro, minha solidariedade silenciosa e de total respeito, aos negacionistas e irresponsáveis, profundo desprezo.