Premiados e Finalistas de Artes Cênicas | 30º Nascente USP
Celebrar a pluralidade das artes da cena. As obras inscritas na 30ª edição do Nascente USP tensionam a nossa categoria, friccionando subcategorias e convocando outros olhares, renovando a compreensão múltipla a ser lançada sobre trabalhos artísticos. Teatro, dança, performance; comédia, autoficção, drama. Linguagens e gêneros se atravessam enquanto buscamos uma horizontalidade para permear essa análise da diferença. Seguindo o padrão dos últimos anos, a categoria de Artes Cênicas teve uma presença maciça de suas inscrições na subcategoria de Dramaturgia, que representou quase 75% das obras. Quatro trabalhos de Interpretação Individual e dois de Direção completaram a lista. Para a final, observando essa distribuição, esta comissão selecionou sete trabalhos, sendo quatro textos, duas interpretações individuais e uma direção. Na lida com os materiais enviados pelas pessoas participantes, há distintos elementos que nos chamam a atenção. Assistindo aos registros em vídeo, por exemplo, há algo de um desejo de ver de perto. Em relação aos textos, nos habita certa intuição, inquietação, de que artistas criadores possam dar a ver a vontade de teatro presente naquelas palavras – e nas apresentações da Mostra Nascente, ano após ano percebemos a potência da dramaturgia enquanto palavra em ação. Assim, nos dias 23 e 25 de outubro, no TUSP Butantã, o público presente pode ver recortes de até 30 minutos das propostas finalistas, começando com Ordinário: 2 Atores em 5x Sem Juros, da subcategoria de Interpretação Individual, onde Ana Alencar fez da comédia um terreno farto para a crítica de visões e costumes de nossa época. Na sequência, O Grande Tereshchenko (ou O resíduo das rimas), de Maria Fernanda Vomero, contando com integrantes de importantes companhias do cenário teatral paulistano, trouxe uma curiosa situação dramática: personagens espectadores buscando remontar a obra de um grande diretor. Encerrando o primeiro dia, Isto não é um trabalho científico, de Eduardo Aleixo Monteiro, fez do palco um jogo entre o teatro verbatim e a palestra-performance, desdobrando o trabalho de Lola Arias entre o acadêmico e o artístico. No dia 25, as alunas-diretoras Larissa Fujinaga Marques e Isabela Souza Soares apresentaram Nada Além Daqui, coreografia do absurdo do cotidiano entre revistas, programas de televisão, um jogo de carteado e um insistente telefone a tocar. Voltando à dramaturgia, Gabriel Cândido trouxe integrantes do Núcleo Negro de Pesquisa e Criação para a leitura de Nossa Conquista, cuja narrativa distópica foi acompanhada de trilha e efeitos sonoros produzidos ao vivo. Em mais uma interpretação individual, Carolina Paes de Barros dançou Mito-linguagem acompanhada apenas de um instrumento de sopro, revisitando Narciso e outros mitos na contemporaneidade. Encerrou a mostra a dramaturgia de nica, de Elisa Band, apresentada quase como espetáculo, com uma miríade de elementos cênicos e a presença de um músico, tocando guitarra, theremin e gravador portátil, num fluxo performativo de livre associação de ideias. Curiosamente, as obras que abriram e encerraram a Mostra Nascente USP foram as premiadas; Ana Alencar, pela interpretação individual em Ordinário, e Elisa Band, pela dramaturgia de nica. Uma atriz cômica, uma dramaturgia performativa: a dificuldade de balizar trabalhos radicalmente distintos também é a riqueza de uma categoria como Artes Cênicas.
Amilton de Azevedo, Sayonara Pereira e Ferdinando Martins
(Comissão Julgadora de Artes Cênicas)
NICA
Elisa Band Doutorado em Artes Cênicas | ECA
Dramaturgia (texto dramatúrgico)
Nica
“Nica” fala de rotas alteradas e caminhos desviantes. Uma atriz compartilha a criação de uma obra e liga vários assuntos, propondo um percurso. O texto parte de um depoimento pessoal sobre um cateterismo e se abre em uma associação livre que envolve procedimentos cardíacos, colonização do Brasil, moradia em locais com risco de terremoto, amor e morte, e comportamento de formigas. Nas entrelinhas, “Nica” trata das manifestações do extraordinário contidas dentro do banal, das histórias extra oficiais que irrompem dentro do suposto e legitimam, através do risco e do inesperado, possibilidades diferentes das imaginadas. É sobre como, ao tentarmos lidar com nossos desencaixes, precisamos inventar outros jeitos, vias vicinais que se tornam os caminhos percorridos de fato. Essa performance contém fala e dança, brinca com o real e a ficção, tem alguma musica e celebra a vida.
“Ordinário: 2 Atores em 5x Sem Juros” foi uma peça produzida durante a graduação de Bacharelado em Artes Cênicas. É uma peça dividida em 5 quadros que satiriza a classe média brasileira. Classe média que aspira ser elite, mas não é; sempre exclusa atrás de uma cortina de aparências e que têm seus costumes e opiniões importados e os recebe de forma enlatada para melhor imitar a fragrância e a frescura do liberalismo político de primeiro mundo. Buscamos que não somente o conteúdo, mas também a forma fosse cômica. O conteúdo, por brincar com o jogo de aparências da classe média e a forma, assim como nossos antepassados no teatro de revista, por gerar, com a divisão em quadros um “distanciamento cômico” e a plateia pudesse se recordar de que está vendo teatro e que as pessoas ali no palco estão se aprontando para representar a próxima personagem.
Três mulheres vivem em um apartamento e se veem presas em uma rotina monótona e entediante. Porém, um telefonema interrompe o cotidiano e instaura a inquietação. Essa é a narrativa presente em “Nada Além Daqui”, uma peça de dança teatral que retrata o universo privado dessas três personagens. A obra explora a vida cotidiana, a solidão e a angústia através de uma pesquisa de linguagem híbrida e pretende convidar o público a uma experiência estética sensível e divertida, em uma apresentação artística que une dança e teatro, sem a necessidade de palavras.
Às margens do rio Nossa Conquista, convivem os que desejam atravessá-lo as para as grandes capitais em busca de uma vida digna. Mas, tal desejo não é bem visto por aqueles que habitam do outro lado. Por isso, seus Soldados da Paz monitoram a região, a fim de conter o fluxo migratório. E, contra eles, os Bixos da Fronteira atravessam ilegalmente quem daria tudo – até os próprios filhos – pelo sonho de uma vida melhor. Em “Nossa Conquista”, acompanhamos as trajetórias de Machépé, Bixo da Fronteira; Zizú, Soldado daPpaz; e Neydí, Primeira Ministra da Grande Capital do Norte. Em seus encontros e desencontros, apresentam-se as relações intrínsecas entre a colonização, a diáspora negra, as subjetividades humanas, e o destino fatal do meio ambiente cuja exploração pelo capitalismo predatório aponta para a escatológica queda do céu.
Maria Fernanda Vomero Doutorado em Artes Cênicas | ECA
Dramaturgia (texto dramatúrgico)
O Grande Tereshchenko
Dramaturgia inédita, não encenada. Sinopse: Um diretor russo, naturalizado brasileiro e censurado pela ditadura, está senil e debilitado; a maior parte de seus textos e registros foi perdida, restam apenas a memória do público, críticas da época, alguns rascunhos. Um anúncio no jornal reúne pesquisadores, espectadores e um velho crítico que vão tentar reconstituir um de seus espetáculos mais espinhosos. Primeiro ato: a peça hipotética. Segundo ato: estupefação. Interlúdio: cinzas. Terceiro ato: a roda de espectadores depois da remontagem. Para sete atores/atrizes mais um/a artista da equipe, que ocasionalmente possa entrar em cena: a dramaturga, o/a encenador/a, o/a iluminador/a etc.
Carolina Paes de Barros Mestrado em Antropologia | FFLCH
Dramaturgia (texto dramatúrgico)
Mito-linguagem
Mito-linguagem é uma performance que combina música programática, dança contemporânea e teatro em sua interface com a arte da performance. Usamos como ponto de partida as “6 Metamorphoses after Ovid” de Benjamin Britten para inspirar uma transformação de três personagens da mitologia greco-romana trazidos para o contexto contemporâneo. Nesta performance, o oboé não é apenas um acompanhamento musical para a intérprete, mas ele é também incorporado à cena, de modo que dança e música assumem igual protagonismo. Assim, a candidata e seu parceiro são os intérpretes-criadores desta performance.
Eduardo Aleixo Monteiro Doutorado em Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades | FFLCH
Dramaturgia (texto dramatúrgico)
Isto não é um trabalho científico
Em “Isto não é um trabalho científico”, um Conferencista-performer apresenta um trabalho acadêmico, ajudado por um Ator e uma Atriz, que agem como se estivessem em uma peça de teatro verbatim, isto é, em cena com fones de ouvido, tendo que reproduzir para o público, da melhor forma possível, o que estão ouvindo nos fones de ouvido. A obra traça um paralelo entre as ditaduras militares argentina e brasileira, além de trazer o debate para a contemporaneidade, através do teatro de Lola Arias e de depoimentos colhidos pelo Conferencista-performer. Em resumo, trata-se de uma conferência-performance que acomoda desde um simulacro de teatro verbatim, passando por QR Codes para vídeos de Lola Arias, até uma entrevista que ela concede ao Conferencista-performer.