Sylvia Leser de Mello, professora emérita de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia da USP, faleceu aos 85 anos no dia 3 de janeiro de 2021.
A equipe da Incubadora USP de Cooperativas Populares divulgou um texto a respeito. Confira abaixo:
Sylvia Leser de Mello, que faleceu no último dia 03 de janeiro de 2021, nos deixa um legado imenso e uma saudade inaudita. Ela foi uma das fundadoras da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP-USP), junto ao Professor Paul Singer, em 1998, quando já havia dado grandes contribuições acadêmicas à Psicologia, particularmente ao campo da psicologia social.
A ITCP, hoje um Programa de Extensão vinculado à Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da USP, nascia como um espaço interdisciplinar no qual Sylvia, que não se apegava à sisudez das divisões dos campos disciplinares, exerceu grande influência.
Professora de psicologia, dava aulas sobre Kafka – sua grande paixão literária –, Walter Benjamin e Hannah Arendt. Incomodava-se com as segmentações arbitrárias. Daí talvez sua convicção pela autogestão e pelos processos democráticos radicais; pela confiança no diálogo entre professores, estudantes, técnicos da universidade e grupos empobrecidos que buscavam soluções econômicas na metrópole.
Diante da crescente compartimentação do conhecimento, da hierarquização universitária iluminista e colonizadora, Sylvia nos mostrava a beleza do pensamento sem corrimão – para usar uma expressão de Arendt, a importância de narrar as experiências nas quais estamos imersos –para usar um tema de Benjamin, a fundamental atitude de espanto diante de um mundo opressor, e a confiança no diálogo como possibilidade de prelúdio da ação.
Sylvia esteve com muitas gerações de alunos, professores e funcionários, construindo de forma horizontal, trazendo sua ampla experiência, sua sensibilidade, seus profundos conhecimentos sobre os homens, as relações humanas, as utopias, as opressões e tantos outros temas.
Em nossa convivência na ITCP-USP, ela estava sempre aberta a pensar sobre os assuntos que propúnhamos. De maneira que, por vezes, nos deslocava do senso comum. Mas a sua partilha não era a daqueles que, depois de uma longa trajetória acadêmica, entendem que tem muito a ensinar aos outros. Sylvia estava sempre disposta a dialogar, de maneira profundamente generosa, e colocar sua opinião, suas reflexões e pensamentos. Onde buscávamos uma professora para ensinar, ela se colocava entre nós como uma pessoa disposta a refletir conosco, publicamente. Pensar era um exercício público no encontro com quem muitas vezes chamávamos, carinhosamente, de professora. O seu gesto não era nunca o de quem tem muito a dizer, mas o de quem está profundamente aberto a conversar. O que não significa uma condescendência, Sylvia era firme em suas posições e pensamentos.
Ela dizia que mais do que ensinar, a ITCP havia sido uma escola pra ela. E se pensarmos que escola vem de skholé, do tempo livre, do lugar no qual, de alguma maneira é possível suspender o tempo fabril das atividades cotidianas e se propor a dialogar, a pensar publicamente, talvez de fato ela tenha razão. A ITCP é uma escola para todos nós. Um lugar no qual podemos conversar e agir.
Sylvia estava muito interessada na fala do outro, em tudo aquilo que poderia nos deslocar da cacofonia do mundo, como ela dizia; de um estado de coisas no qual as pessoas não se ouvem, no qual a fala do outro não é audível. Sylvia tinha a convicção de que todos tinham algo a dizer, e instaurar espaços de encontro e diálogo era atividade política da maior grandeza.
Sylvia continuará muito presente em todos nós que fomos tão inspirados por ela, por seu compromisso, sua simplicidade e inteligência. Representa uma postura crítica diante da sociedade, dedicada a refletir e agir na construção de uma universidade mais democrática e uma sociedade mais solidária e igualitária.
Homenagem Especial:
Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP-USP)
NESOL – Núcleo de Estudos em Economia Solidária (NACE)
Pró Reitoria de Cultura e Extensão – PRCEU-USP
USP Comunidades